terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Jorginho Mello, Topázio Neto e o Coliseu das redes sociais

A semana que passou produziu uma daquelas imagens ao gosto destes tempos de colonialismo digital: o governador catarinense Jorginho Mello batendo o martelo no leilão para a concessão do Aeroporto de Jaguaruna pelos próximos 30 anos por parceria público-privada (PPP). O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, fez igual, usando martelo e campainha, quando leiloou trecho do Rodoanel e privatizou a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo. Há duas semanas, Jorginho usou o perfil no Instagram para dizer ao bilionário Elon Musk que ele era bem-vindo em Santa Catarina. Na postagem, o governador aparece a bordo de um veículo produzido por uma das empresas de Musk. Ao que parece, a imagem de Mello vai embarcar nas técnicas do marketing digital na política usadas na companha que levou o prefeito de Florianópolis, Topázio Neto, a se eleger em primeiro turno. Afinal, Mello tem 357 mil seguidores no Instagram, menos do que o seu candidato apoiado, Topázio Neto, que tem 413 mil. 

Jorginho Mello tem aparecido na mídia nacional por fatos como tentar nomear o filho Filipe Mello para o cargo de secretário de Estado da Casa Civil e, mais recentemente, por indícios de irregularidades na contratação de serviços de telemedicina pelo governo do Estado. No primeiro caso, a imprensa catarinense – sem surpresa – “passou pano” para o assunto; no segundo, tomou furo jornalístico do jornal O Globo e teve que correr atrás dos detalhes da denúncia. Do ponto de vista da classe trabalhadora, quando deputado federal Jorginho Mello votou a favor da PEC do Teto dos Gastos Públicos e foi favorável à Reforma Trabalhista, que tirou direitos históricos e abriu caminho legal para o atual cenário de oferta de vagas que, em Florianópolis, mal pagam um aluguel em localizações ruins.

Já Topázio Neto gosta de, nas entrevistas, citar que não provém do meio político. Empresário, seu legado apareceu na campanha eleitoral, quando veio a público que empresas às quais seu nome está ligado somam dívidas milionárias com trabalhadores, fornecedores e impostos. O prefeito até tentou, mas não conseguiu tirar do ar a denúncia, feita por um de seus oponentes. Na mídia local, tudo virou um diz-que-diz e o fato foi esquecido. No ND, por exemplo, nem aparece em resultados de busca no site.

Em entrevista à CNN, o político enfatizou que o segredo do seu sucesso nas redes sociais é utilizá-las como “um canal de comunicação bidirecional” com a população. “A velha política, os políticos tradicionais, não descobriram que a população quer falar com o prefeito, quer falar com o gestor. E a rede social tem essa capacidade de ser uma via de mão dupla”, explicou Topázio Neto.

O fato é que a rede social funciona como blindagem do prefeito. Há ali uma simulação de fala, de “mão dupla”, porque, na vida concreta, a tal “mão dupla” é barrada. Um exemplo foram as encenações de audiência pública de revisão do plano diretor – a lei mais importante de um município – entre 2022 e 2023. O prefeito ali apareceu pouco. Os secretários é que se limitavam a apresentar um rascunho da proposta da prefeitura e dar minutos contados para a população reclamar e tentar se fazer ouvir nas críticas à proposta. No final do processo, as críticas foram atropeladas e o plano virou lei.

MEA-CULPA

Alguns artigos acadêmicos analisam as redes sociais de Topázio Neto e elogiam a forma como ele aparece como um prefeito que resolve problemas. Um dos exemplos citados é uma postagem em que ele faz “mea-culpa” sobre um poste mal-instalado pela prefeitura, dando então solução ao mau arranjo na rua. O exemplo chega a ser risível, mas implica um cálculo certeiro para construir a imagem buscada pelos marqueteiros, especialmente junto aos jovens, mais familiarizados com redes como Instagram e TikTok e ainda sem repertório suficiente para interpretar vídeos assim à luz da realidade da cidade.

Uma questão importante é quanto custa a produção destas imagens. Como o prefeito tem contas diferentes das da Prefeitura de Florianópolis nas redes sociais, quem banca a equipe dele? É a mesma da comunicação da prefeitura? Quem paga os impulsionamentos? Indícios levam a crer que a geração de publicidade positiva para a prefeitura custa caro para os contribuintes. Um pequeno exemplo: em 6 de maio, a prefeitura bancou um encarte de 12 páginas no jornal ND sobre o projeto Formiguinha, iniciado em pleno ano eleitoral no Maciço do Morro da Cruz para melhorar o transporte coletivo. Ao longo das páginas, uma moradora entrevistada cita que o morro recebeu as primeiras linhas de ônibus 30 anos atrás. Mas não há uma única linha lembrando que isso ocorreu na gestão de Sérgio Grando e Afrânio Boppré. O encarte, sob medida para os interesses da gestão, custou 24 mil reais. 

É sabido que Florianópolis tem pouca ou quase nada de transparência, ficando em 13º no ranking entre as capitais do país segundo pesquisa divulgada em 2024. A prefeitura alega ter melhorado o Portal de Transparência, incluindo uma página de Dados Abertos, mas uma pesquisa lá exige tempo e disposição. Nisto a Assembleia Legislativa é mais avançada, permitindo o acesso facilitado às centenas de repasses para os veículos de comunicação do estado. Quem aparece com frequência na busca é a Neovox, para quem houve dezenas de repasses. O Total Pago informado é de R$ 1.000.202,33. A Neovox, neste final de ano, criou campanha de mídia para a Prefeitura de Florianópolis com o tema “Não seja bocó”. Como ela há outras e cabe, por parte dos vereadores do campo progressista, investigação mais detalhada e divulgação.

Com os grupos de mídia a seu favor e o recurso público do caixa da prefeitura, é fácil, para Topázio Neto, não responder a ataques políticos de seus adversários, “estratégia” elogiada nos estudos sobre ele. A prefeitura responde às denúncias por notas oficiais ou usa as redes sociais próprias, e quase nenhum repórter faz as perguntas necessárias diretamente a ele. As perguntas realmente incomodativas. As notícias e reportagens já são publicadas com a insípida explicação oficial, sem rugosidade, sem confronto. Assepsia discursiva. Na fieira de denúncias que marcam a sua gestão, a tônica é transferir a responsabilidade para o antecessor, Gean Loureiro, como aconteceu nesta terça-feira (03/11) em mais uma operação policial, a Operação Pecados Capitais. Topázio Neto pode se dar ao luxo até de zoar dos adversários e aumentar o engajamento sem se desgastar. 

As redes sociais são hoje um Coliseu onde os destroços da vida pública aparecem como motivos de distração e escárnio enquanto a cidade é cada vez mais preparada para atender aos interesses dos grupos dominantes. A subserviência da mídia local chega a tal ponto que, dias antes das eleições, o Grupo ND tirou do portal a primeira de uma série de reportagens que constatava o aumento no número de mortes de população em situação de rua em Florianópolis. O título era “Invisíveis? Mortes de pessoas em situação de rua em Florianópolis cresceu 300% em 2024”. Por que a reportagem foi banida? Detalhe: a Operação Pecados Capitais cita falcatruas envolvendo o Restaurante Popular, na Avenida Mauro Ramos, de onde a prefeitura quer banir a população em situação de rua.

Ainda no caso de Florianópolis, por exemplo, quem pauta os grandes debates geralmente é o empresariado ligado a organizações como o movimento Floripa Sustentável, hoje representado em diferentes âmbitos da administração pública. Recentemente, a organização levantou, pela mídia comercial, o debate sobre o que fazer da área onde hoje está a Penitenciária de Florianópolis. E para legitimar os discursos e ações sempre voltadas para seus próprios interesses, essas organizações utilizam a balela do “desenvolvimento sustentável”, “inclusão social” e blá-blá-blá. Para quem se opõe ou tenta visibilizar alternativas para a cidade, o espaço na mídia é barrado. 

PARA QUEM?

Há que voltar ao governador Jorginho Mello batendo o martelo no leilão para a concessão do Aeroporto de Jaguaruna. O governo do estado e a mídia dizem que aquela foi a primeira parceria público-privada (PPP) de Santa Catarina, mas, em outros moldes, há que lembrar de outra. Em 2013, no governo de Luiz Henrique da Silveira, a ArcelorMittal Vega, uma das mais modernas unidades de transformação de aço do mundo, instalou-se em São Francisco do Sul graças a uma extensa lista de benesses pagas com dinheiro público e enraizou-se na vida do município, patrocinando órgãos públicos e organizações sociais. Cito a empresa porque ela aparece na Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi), o listão divulgado em novembro pelo Ministério da Fazenda. É a nona da lista, beneficiada com R$ 801,9 milhões. A gente vê esses políticos festejando essas parcerias e privatizações como grande negócio... Para quem?

O mundo real, concreto, está atrás da imagem de governadores leiloando as grandes estruturas do estado na bolsa de valores B3, onde foram privatizadas empresas públicas como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Usiminas. O mundo concreto das estradas esburacadas, escolas sucateadas, hospitais com falta de equipes e equipamentos. Um mundo convenientemente tapado pela mágica do marketing e das redes sociais com seu poder de fazer o pequeno ficar grande e, pelos algoritmos cuidadosamente planejados, os polegares no Coliseu, transformar o grande em pequeno. 

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