Imagem: capa do livro
no site da Blooks Livraria
O livro “Andar a Pé - Uma
Obrigação Profissional” (Ibis Libris, 2021), coletânea de reportagens do
jornalista Rogério Daflon, é alimento saboroso para quem trabalha com a pauta
ambiental e concretiza, na prática profissional, a máxima de que lugar de
jornalista é na rua. A obra, lançada em dezembro passado, reúne 45 textos de
Daflon publicados em diferentes veículos, agrupando-os em cinco eixos
temáticos: Moradia, Meio Ambiente, Uso e ocupação do solo e do espaço público,
Obras e equipamentos públicos e Patrimônio arquitetônico e cultural. A
iniciativa se viabilizou graças a uma vaquinha virtual realizada após a morte
do jornalista, nove dias depois de ser atropelado por um motociclista no Rio de
Janeiro em 2019.
Dos sete textos do eixo
temático Meio Ambiente, três compõem a série “Desleixo Insustentável” (jornal O Globo, março de 2012) e uma a série
“Os Rios do Rio” (jornal O Globo, 2012).
A última, de junho de 2019, é a entrevista derradeira de Daflon, para O Eco, abordando os impactos que o
projeto – posteriormente retirado – de um autódromo provocaria na Floresta do
Camboatá, remanescente de Mata Atlântica na Zona Oeste do município do Rio de
Janeiro.
Os textos trazem a marca do
repórter que baixou ao chão, como nas entrevistas com moradores das margens de
rios apodrecidos por esgoto para a série “Os Rios do Rio”. O “método Daflon”,
conforme definem os colegas de trabalho em testemunhos publicados no livro,
evoca os escritos de Anton Tchékhov reunidos em “Um bom par de sapatos e um
caderno de anotações: como fazer uma reportagem” (Martins Fontes, 2007), com impressões
e conselhos do contista russo que, em 1890, aos 30 anos, percorreu 12 mil
quilômetros para conhecer a vida de deportados na Ilha de Sacarina. Uma
extravagância, disse-lhe seu editor. Ele foi assim mesmo.
Destacam-se, no eixo Uso e
ocupação do solo e do espaço público, três reportagens. Em “Roubaram a praia do
Vidigal” (Agência Pública, 2017), Daflon mostra como o Sheraton Grand Rio Hotel
& Resort, no Leblon, se apossou do acesso à praia, restando aos moradores
subir e descer uma escadaria de 141 degraus. Na reportagem “Os prédios que
violaram o ‘skyline’ do Rio” (Agência Pública, 2017), o jornalista relata o
processo de ocupação céu acima da capital fluminense. “Rogério trouxe a
brilhante ideia de consideramos o skyline
como um espaço público, tão passível de ser gozado pelos cidadãos como uma
praça ou a própria praia (...)”, escreve a jornalista Natalia Viana, da Agência
Pública, na abertura do conjunto de textos.
Para as matérias, Daflon
trazia a vida cotidiana, a singularidade do espaço geográfico e também o
conhecimento acumulado na academia ao entrevistar professores e pesquisadores.
Ele mesmo era um, tendo concluído mestrado no Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da UFRJ com dissertação intitulada “Ribeirinhos
urbanos: uma vida à margem do direito à moradia”. Em matéria para a Casa
Fluminense (2014) sobre o conjunto habitacional popular Cruzada São Sebastião,
no Leblon, menciona que passou os olhos por cerca de 100 reportagens sobre o
lugar antes de passar alguns dias lá para produzir seu próprio texto.
Por fim, cita-se a
reportagem “Condomínio Laranjeiras: segregação, ameaça e processos em Paraty” (Agência
Pública, 2017), que expõe a forma pela qual um empreendimento privado para
milionários se apossou, nos anos 1970, de parte do que viria a ser o Parque
Nacional da Serra da Bocaina. A reportagem traz à memória outra, “Histórias de
uma aldeia visitada pelo medo”, feita pelo jornalista Marcos Faerman sobre o
mesmo fato e publicada originalmente no Jornal
da Tarde em abril de 1974, sendo depois selecionada para a coletânea “Com
as mãos sujas de sangue”, podendo ser lida em https://bit.ly/3jY1vxZ (a partir da página 115 do
livro). Com intervalo de quatro décadas, Faerman e Daflon revelam o início e a
consolidação do assalto imobiliário do litoral brasileiro tendo como epicentro
as cobiçadas praias fluminenses. E em ambos aparecem também os que
continuamente lutam para não serem acossados do espaço pelos que perseguem
apenas o lucro.
Por isso, o olhar do
jornalista que anda nas ruas e se apropria da plenitude do espaço geográfico e
das vozes que vêm de suas profundezas, dando-lhes audibilidade e visibilidade,
é efetivamente inovador da linguagem, portanto
revolucionário.
Originalmente publicado em https://jornalismoemeioambiente.com/2022/04/25/a-reportagem-a-pe-sobre-meio-ambiente/