terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

Engordamento de praia: a miséria da política no jornalismo catarinense


Dois colunistas catarinenses tiraram o dia 8 de fevereiro para atacar o professor do Departamento de Botânica da UFSC Paulo Horta. Motivo: um vídeo publicado por Horta em rede social posicionando-se de forma crítica ao engordamento da praia de Jurerê, no Norte da Ilha de Santa Catarina. O pesquisador alerta para os impactos ambientais e a falta de debate sobre a obra com a sociedade. O fato revela a miséria da política e também do jornalismo catarinense.

A coluna de Marcos Schettini considera o alargamento de praias um favor ao turismo e abre com 13 linhas de elogios a Vinicius Lummertz e ao prefeito de Florianópolis, Topázio Neto. Lummertz exerceu cargos no setor turístico e em seu site nomeia-se “uma das maiores autoridades em Turismo do país”.

No restante da coluna, Schettini, em 12 notas, chama Horta de “alucinado”, “falastrão”, “matraca”, “tagarela” e “analfabeto”. Para Schettini, o doutor em Ciências Biológicas pela USP e pós-doutor em Ecologia Marinha pela Plymouth University, no Reino Unido, e pelo Centro de Ciências Marinhas da Universidade do Algarve, em Portugal, “não tem ideia do que diz”, “cria discurso tolo, age como um ermitão boca-aberta, fora da realidade”, e, “se fumou algo, deve parar”. A coleção de injúrias não é interrompida por qualquer informação relevante sobre a obra de engordamento da praia. 

Já Marcelo Lula, em sua coluna, critica Horta sem usar impropérios gratuitos, mas faz uma afirmação taxativa: “Paulo Horta é conhecido em Florianópolis por ser contra qualquer obra que traga desenvolvimento”. 

Desde o início dos anos 1980, quem é crítico ao modelo de desenvolvimento predatório de Florianópolis é chamado, nas colunas jornalísticas, “do contra”, “ecochato”, “militante”, “ideólogo da esquerda”, “ativista da esquerda”, “da turma do atraso”. A base ideológica dos ataques, calcada nos interesses dos grupos dominantes da capital, é a “vocação turística” de Florianópolis. Desenvolvo esse assunto em artigo intitulado “Sob ataque da imprensa: o papel dos 'contra' na defesa de Florianópolis (SC)”, publicado no livro “Confrontos na Cidade: luta pelo Plano Diretor nos 20 anos do Estatuto da Cidade” (2022).

Nas duas colunas, aparece um elemento em comum: a defesa do processo de licenciamento ambiental. Schettini afirma: “As documentações ambientais foram todas garantidas e a obra acionada”. Já Lula detalha: “A questão é que, para a realização da obra, foi necessário um projeto; depois desse, uma série de licenciamentos junto ao Instituto do Meio Ambiente (IMA), Capitania dos Portos, Superintendência do Patrimônio da União (SPU), todos órgãos responsáveis por liberar ou não uma obra. A questão é: será que esses órgãos estão todos errados, e apenas o professor está certo? Será que os profissionais desses órgãos colocariam seus registros profissionais em risco para atender a uma obra que, segundo Horta, trará prejuízos ambientais? A resposta é óbvia: claro que não!”. 

Pois agora. Licenciamentos são infalíveis? Basta pesquisar os recentes crimes ambientais no Brasil para compreender que eles falham. E mais: a legislação tem flexibilizado exigências e reclassificado o grau de risco de empreendimentos causadores de impacto ambiental, tendo Santa Catarina na vanguarda dos retrocessos. No caso do alargamento da praia de Jurerê, o primeiro edital para a obra foi suspenso após o Tribunal de Contas de Santa Catarina apontar irregularidades. Outros questionamentos são a ocupação desenfreada das praias, a falta de fiscalização e o uso de recursos públicos para obras derivadas do mau uso da faixa litorânea. Frente a isso, como um jornalista ou colunista se calça? Entre os fazeres está entrevistar quem tem propriedade para alertar, argumentar, questionar, apresentar alternativas.

A reportagem “Os prós e contras de alargar as praias de Santa Catarina”, do jornalista Maurício Frighetto para a DW Brasil, e a reportagem “SC vira símbolo do alargamento de praia e amplia orla até sem obra”, de Italo Nogueira para a Folha de S. Paulo, vão nessa linha. E elas apontam a miséria do jornalismo catarinense: reportagens importantes não têm mais onde sair no estado, e acabam em veículos de comunicação de fora de Santa Catarina. 

Essa miséria anda a par com outra, a miséria política. A prefeitura de Florianópolis e o governo do estado irrigam a mídia local com recursos. Nada de novo nisso, mas abriu-se uma fase em que o recurso ou implica um fecho completo na crítica ou uma deslavada campanha em prol da imagem dos governantes. Agora, não só não ouvem o dito “outro lado” como caçam postagens nas redes sociais para sobre elas amealhar injúrias, tentando desmerecer as vozes críticas.

Artigo publicado na página do jornal britânico The Guardian no dia 7 de fevereiro tem muito a dizer ao jornalismo catarinense. O texto se refere ao contexto da eleição nos Estados Unidos e afirma o seguinte: “A imprensa cobre a campanha de 2024 como se o clima não estivesse nas urnas, mas 56% dos eleitores dos EUA estão ‘preocupados’ ou ‘alarmados’ com a crise”. O ano passado, observa o artigo, foi o mais quente de que há registo – e os cientistas alertam que a queima de petróleo, gás e carvão deve ser rapidamente eliminada se quisermos preservar um planeta habitável, mas jornalistas muitas vezes não relacionam um fato com o outro. 

Destaco outro trecho:

“Mas há uma mudança fácil de fazer: perguntar aos candidatos o que vão fazer em relação à crise climática; especificamente, qual é o seu plano para eliminar rapidamente o petróleo, o gás e o carvão, como a ciência diz ser imperativo. Os jornalistas também podem perguntar aos candidatos se estes recebem dinheiro da indústria dos combustíveis fósseis, o principal motor da crise climática; e pergunte aos candidatos quais soluções eles têm para os eleitores que sofrem com o calor mortal e outros extremos climáticos”.

Em Santa Catarina, onde há espaço para isso e quem fará essas perguntas incômodas?

Há que tornar concreta uma experiência de comunicação/jornalismo efetivamente contra-hegemônica que supere a mera crítica à mídia hegemônica e as tentativas vãs de nela abrir espaço para confrontar os discursos oficiais e empresariais. Porque, no quadro atual, isso é deitar vinho velho em odres mais velhos ainda. 

O artigo do The Guardian  está em https://www.theguardian.com/commentisfree/2024/feb/07/climate-change-presidential-election-media-coverage

Atualização: notícia no Canal MPF sobre as ocupações ilegais em Jurerê, assinada pelo jornalista Delmar Gularte, mostra como é possível ouvir diferentes opiniões sem deixar de mostrar os fatos e permitir a quem assiste interpretar a informação.  Confira em: https://youtu.be/ViHSs2RtXEM?si=8Dck6pFL9EbRMAKt



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