Mapa: Campanha Despejo Zero |
Míriam Santini de Abreu - jornalista
– Pandemia? Pandemia? O pobre já nasce na pandemia. Pandemia não é novidade pro pobre.
Isso eu ouvi de um pedreiro sentado na
entrada de uma vendinha, eu esperando a chuva passar, ele fugindo de uma
discussão com a mulher, quando perguntei o quanto a pandemia tinha piorado as coisas.
Cito o breve trecho daquela longa e estranha
conversa porque, em meio à pandemia de Covid-19, os moradores da Ocupação
Marielle Franco, no Maciço do Morro da Cruz, em Florianópolis, foram intimados a participar de
uma audiência de mediação na Comarca da Capital marcada para sexta-feira,
dia 15, e até agora mantida apesar de sucessivos pedidos de cancelamento feitos
em juízo.
A fome ronda a Ocupação e o Morro. A fome ronda o país onde até ossos são cobrados (4 reais o quilo!). Dia 29 de setembro, circulou nas redes sociais um pedido da Marielle:
Oi gente do bem, estamos novamente em campanha de cestas básicas, digo novamente porque infelizmente com o descaso que vivemos e com o aumento abusivo dos alimentos cada dia que passa nossos balcões e geladeiras estão mais e mais vazias.
Agora, à preocupação com arrumar comida se
junta outra ali na Marielle: proteger a moradia precária. Em juízo, para adiar a audiência, a Ocupação
pediu algo simples, mas extraordinariamente complexo em um sistema de justiça
no qual o pau que bate em Chico não costuma bater em Francisco. O pedido: que a
lei seja cumprida.
Foi publicada no Diário Oficial da União do
dia 8 de outubro a Lei nº 14.216, que suspende o cumprimento de medida
judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção
forçada coletiva em imóvel privado ou público urbano, e a concessão de liminar
em ação de despejo. A medida vale até 31 de dezembro.
Essa lei foi resultado de uma forte
mobilização popular porque as remoções forçadas estavam jogando nas ruas
milhares de pessoas, deixando-as ainda mais vulneráveis ao vírus da Covid-19.
Segundo a Campanha Despejo Zero, 19.875 famílias foram despejadas no Brasil de
julho de 2020 até agosto de 2021, um aumento de 310% no último ano. O
presidente Jair Bolsonaro vetou a lei, mas o veto dele foi derrubado.
O artigo 2º da Lei diz o seguinte:
§ 3º Durante o período mencionado no caput deste artigo, não serão adotadas medidas preparatórias ou negociações com o fim de efetivar eventual remoção, e a autoridade administrativa ou judicial deverá manter sobrestados os processos em curso.
Portanto, a audiência de mediação na Comarca de Florianópolis marcada para sexta não pode ocorrer. Mas, até agora, continua marcada.
No dia em que escutei a conversa do pedreiro, escutei outra também, a de um motorista agora desempregado, passado dos 60 anos, viúvo há três meses, que pagava 800,00 reais de aluguel por uma casinha no Morro da Cruz. O salário mínimo está em 1.192,40. Mas salário mínimo, depois da reforma trabalhista, é luxo! Muitos trabalhadores ali na Marielle, depois de meses amargando o desemprego, conseguiram bicos que pagam 30, 40 por dia. Dá 900 se o bico não deixar a pessoa na mão e com ele der pra contar 30 dias no mês, mas não é o caso. Pagando aluguel de 800,00, sobra 100 pro restante das contas. Não paga um botijão de gás.
Razão tem o pedreiro.
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