quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

A relação sociedade-natureza no ensino do jornalismo


Míriam Santini de Abreu - jornalista

Apresentei resumo expandido de Comunicação Científica no Encontro Regional Sul e no Encontro Regional Centro-Oeste de Ensino de Jornalismo (Erejor Sul e Erejor Centro-Oeste) sobre a relação sociedade-natureza no ensino do jornalismo.

Seguem considerações sobre a realidade em Santa Catarina que podem servir de reflexão para o ensino do jornalismo em outros estados.

A RELAÇÃO SOCIEDADE-NATUREZA NO ENSINO DO JORNALISMO 

A chamada crise climática visibiliza de modo contundente a relação entre sociedade e natureza sob a atual fase do modo de produção capitalista. Fenômenos como enchentes e secas cada vez mais frequentes e intensos são expressões desta realidade e recebem cobertura jornalística episódica em Santa Catarina. A preocupação desta Comunicação Científica é apresentar caminhos para o ensino do jornalismo no estado abrir-se a esta realidade e à complexa formação socioespacial catarinense e a partir dela incorporar (adicionar algo novo a determinado ser ou corpo, conjunto ou realidade) o cotidiano e o espaço (como produto social) na totalidade do curso e na formação integral do estudante.

Poderia se advogar a necessidade de os cursos oferecerem disciplinas como jornalismo ambiental, especialização jornalística consolidada no Brasil no último quarto do século XX, mas não basta. Iniciativas nesta direção em Santa Catarina revelam-se insuficientes para enriquecer, com os estudantes, a experiência do corpo no espaço e no cotidiano. São iniciativas que exibem poucos resultados no ensino, na pesquisa e na extensão e morrem pouco a pouco no curso dos semestres. Há que investigar até que ponto esta constatação se reflete na cobertura jornalística, por sua vez mediada pelos interesses empresariais, visto que da década de 1980 para cá foram diminuindo as iniciativas de cadernos, editorias ou mesmo coberturas mais abrangentes com pauta ambiental no estado.

Para apresentar dados, realizou-se investigação específica sobre as pesquisas no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes e nos repositórios institucionais das universidades públicas (Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS e Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC) e do Sistema Acafe (Associação Catarinense das Fundações Educacionais), a partir do termo “jornalismo ambiental”. Cabe citar que nem todos os repositórios das universidades comunitárias (Sistema Acafe) são abertos para não-membros da comunidade acadêmica e nem apresentam a totalidade dos trabalhos produzidos por aquelas universidades. Para  ampliar o escopo de materiais, recorreu-se às referências bibliográficas dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), dissertações, artigos e livros encontrados sobre o tema.  A partir daí, organizou-se repositório de pesquisas na perspectiva do Estado da Arte e o Estado do Conhecimento, para “rever caminhos percorridos, portanto possíveis de serem mais uma vez visitados por novas pesquisas, de modo a favorecer a sistematização, a organização e o acesso às produções científicas e à democratização do conhecimento (SILVA et al, 2020, p.2). As pesquisas encontradas estão disponíveis em https://jornalismoambientalsc.blogspot.com/p/pesquisas_99.html

O levantamento no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, realizado em agosto de 2024, com o termo “Jornalismo ambiental”, apresentou 194 resultados. Refinados por Instituição, especificamente a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Regional de Blumenau (FURB) – as duas únicas de Santa Catarina relacionadas –, o resultado baixou para 10. A leitura do material, porém, mostrou que apenas 4 tinham relação com o termo pesquisado, todas elas dissertações de mestrado.

A ampliação da busca, conforme os critérios já indicados, revelou a existência de 7 Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), 6 dissertações (inclusive as 4 já mencionadas), 11 artigos e 2 livros. A mais antiga pesquisa localizada foi dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFSC, em 2004, analisando o discurso jornalístico sobre o desenvolvimento sustentável em dois veículos impressos, a qual foi publicada em livro em 2006. A mais recente, de 2024, foi outra dissertação de mestrado com ênfase nos direitos humanos e da natureza sob a perspectiva de dois grupos de mídia de Santa Catarina, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFSC.

Na análise dos materiais, percebe-se que a revisão bibliográfica das pesquisas traz o conhecimento do jornalismo em geral e do jornalismo ambiental em particular, mas as pesquisas, independentemente da orientação teórico-metodológica e dos objetos empíricos, em geral não dialogam com trabalhos anteriores, ainda que poucos, produzidos no estado. A mais recente pesquisa encontrada, da jornalista Camila Collato, dialoga com trabalhos anteriores e conclui o seguinte em relação à cobertura dos jornais A Notícia (AN), Diário Catarinense (DC) e Jornal de Santa Catarina (JSC), no período de 2014 a 2018: a) a cobertura privilegia uma constituição antropocêntrica de sentidos, apoiando-se em uma base científica moderna em relação ao meio ambiente, sendo este abordado majoritariamente por meio do dualismo humano x Natureza; b) é fragmentária, ao apresentar uma baixa interlocução entre áreas de conhecimento e saberes e; c) por vezes, é fatalista, ao furtar-se do papel de fomentador de um debate público crítico sobre responsabilidades e possíveis soluções diante dos problemas ambientais enfrentados pela população.

É uma pesquisa importante por apontar as limitações da cobertura jornalística sobre a relação sociedade-natureza em Santa Catarina. Destaca-se que, nos anos de 1978 e 1979, havia duas páginas inteiras dedicadas ao meio ambiente no Jornal de Santa Catarina, publicadas no final de semana com edição do jornalista blumenauense Moacir Loth em parceria com a Associação Catarinense de Preservação da Natureza (Acaprena), fundada em 1973. Provavelmente, trata-se de uma das primeiras iniciativas no país de uma editoria dedicada exclusivamente ao meio ambiente. Segundo Loth (2023), essa editoria alçou, involuntariamente, o Jornal de Santa Catarina na vanguarda do que seria mais tarde conhecido como jornalismo ambiental.

Atualmente, no estado, o site do jornal O Blumenauense tem uma aba específica denominada Meio Ambiente dentro do link Geral. A primeira notícia é datada de 11 de outubro de 2013. São, portanto, 11 anos de cobertura. A Folha Metropolitana, de Joinville, também exibe, no menu do site, o link Meio Ambiente. A primeira notícia com a cartola MEIO AMBIENTE é datada de 28 de julho de 2022. São iniciativas que merecem pesquisas específicas sobre conteúdos e discursos, sendo uma delas a de Vieira (2021), que, em Trabalho de Conclusão de Curso, analisa as práticas de jornalismo ambiental nos portais de notícia de Blumenau e região.

A pouca quantidade de pesquisas e veículos encontrados é incompatível com a realidade socioespacial diversa de Santa Catarina e a necessidade de um jornalismo que a interprete. O geógrafo Armen Mamigonian (2003) afirma que, no decorrer do processo histórico, delinearam-se em Santa Catarina três regiões industriais importantes identificadas como a região alemã, o Oeste agroindustrial e a região carbonífero-cerâmica do Sul. Cada uma dessas regiões lida com impactos ambientais comuns, como o desmatamento e a poluição do solo e da água, mas singulares na forma como se expressam no cotidiano da população. Porém, o jornalismo catarinense não tem abordado tão complexa realidade e parte expressiva das pesquisas científicas localizadas também não leva em conta essas particularidades socioespaciais.

O caminho, para além da oferta de disciplinas eventuais, é levar o estudante a experenciar o cotidiano e o espaço (como produto social) na totalidade do curso. Cotidiano e espaço são aqui tratados na perspectiva marxista, na linha teórica de G. Lukács (!966) e H. Lefebvre (2013). No senso comum, cotidiano é o que ocorre todos os dias, o banal, o corriqueiro, o repetitivo. Mas nele também nasce a ruptura, a possibilidade de transformação social. O novo, afinal, emerge no cotidiano, e é no espaço que este cotidiano, em sua riqueza e miséria, se realiza. As transformações pelas quais passa o jornalismo como fazer profissional e também como negócio, porém, estão afastando o estudante e o jornalista do cotidiano e da experiência vivida no espaço.

A proposição-chave para compreender o espaço lefebvriano assim se coloca: o espaço (social) é um produto (social). Cada sociedade produz seu espaço no processo histórico da produção social, e assim o espaço e o tempo são históricos. O espaço serve tanto de instrumento do pensamento como da ação e, simultaneamente, constitui um meio de produção, um meio de controle e, em consequência, um meio de dominação e de poder (LEFEBVRE, 2013, p. 86). De igual modo, na obra do autor, a explicação de como o espaço é produzido se dá pela interconexão de três dimensões ou três níveis do real: o percebido, o concebido e o vivido, articulados, respectivamente, às práticas espaciais, às representações do espaço e aos espaços de representação (LEFEBVRE, 2013, p. 97). A compreensão desta tríade conceitual percebido-concebido-vivido pode permitir ao estudante movimentar-se no espaço de modo crítico, aspirando, na produção jornalística, à intepretação do fato em sua totalidade, na linha teórica do jornalismo como forma de conhecimento cristalizada no singular (GENRO FILHO, 1989), relação desenvolvida em Abreu (2019).

Nos cursos, a teoria de Adelmo é tratada com uma a mais entre outras tantas a serem citadas nas disciplinas tidas como “teóricas”, o balaio das teorias. Tomá-la desta forma é reduzi-la irremediavalmente e não compreender como ela se posiciona em relação ao conhecimento da realidade e, especificamente, deste conhecimento pelo jornalismo, como destaca Osório:

Ao mesmo tempo em que pensa o jornalismo como uma forma de conhecimento, cuja potência epistemológica logo recordarei, Adelmo pensa a prática do jornalismo também como o exercício do conhecimento, na medida em que a apreensão da realidade de modo produtivo e jornalisticamente consequente presume um razoável conhecimento de tal realidade. Essa dimensão epistemológica da práxis jornalística constituía uma das suas principais preocupações quanto à compreensão e aplicação da sua teoria. Antes de tudo, dizia ele, o jornalista deve saber como conhecer a realidade, como dela se aproximar. Considerava esse atributo como algo prévio às técnicas da redação jornalística. (OSÓRIO, 2021)

A citação evidencia que o estudo da contribuição de Adelmo abre aos estudantes a possibilidade de entendimento crítico da realidade, precedendo o conhecimento de técnicas hoje vistas já no primeiro semestre dos cursos. Com base nos currículos, aprende-se a “técnica” de escrita da notícia a partir do “fato” antes da compreensão dos fenômenos que povoam a realidade e das conexões entre eles. Tal compreensão deveria ser a base para todas as disciplinas do curso.

Para isso, o caminho, no ensino, na pesquisa e na extensão, é constituir possibilidades de experiências na perspectiva de Heidegger, como algo que nos acontece, nos alcança, se apodera de nós, nos tomba e nos transforma: “Cuando hablamos de «hacer» una experiencia, esto no significa precisamente que nosotros la hagamos acaecer; hacer significa aquí: sufrir, padecer, tomar lo que nos alcanza receptivamente, aceptar, en la medida en que nos sometemos a ello. Algo se hace, adviene, tiene lugar (1987, p. 143).

Bondía (2002) assinala que a experiência é cada vez mais rara pelo excesso de informação, pelo excesso de opinião, por falta de tempo e por excesso de trabalho. A experiência requer um gesto de interrupção quase impossível no tempo presente, mas é por ela que passa, diz o citado autor, a “abertura para o desconhecido” (BONDÍA, 2002, p. 19). Essa abertura para o desconhecido, o singular, o novo no cotidiano e no espaço é imprescindível para renovar o jornalismo. No ensino, na pesquisa e na extensão, um dos caminhos possíveis é sair da sala de aula e experimentar a rua, a chamada periferia, os lugares de expressão do conflito e da festa, como as caminhadas peripatéticas em percursos urbanos descritas em Peres. O autor afirma que a experiência pelo corpo, e não somente letrada, é vida pulsante, conhecimento vivido que deixará marcas indeléveis no estudante para além da academia: “(...) é totalidade que vai se formando e que somente ele pode vivenciar e passar adiante, como um marinheiro que viajou muitos mares e só a partir daí, para além da cartografia científica e ensinada por fontes secundárias e laboratoriais, começa a compreender o mundo como é construído” (PERES, 2019).

Para este movimento, é imprescindível que o estudante, já nas fases iniciais, conheça a realidade socioespacial do estado, do país, do mundo sob a globalização e seus impactos sociais e ambientais e possa se posicionar de forma crítica, para além da mera soma de informações sem conexão entre si que muitas vezes caracteriza o ensino fundamental e o médio.

É uma articulação do ensino, pesquisa e extensão nos cursos de jornalismo que se apropria das três dimensões que o estudante e o jornalista devem explorar para o espaço se fazer presença no texto em sua totalidade, na perspectiva de H. Lefebvre: a prática social (percebido), o conhecimento/pensamento (concebido) e a prática criadora (vivido), elucidando assim, no fazer jornalístico, a experiência vivida no espaço. 

REFERÊNCIAS 

ABREU, Míriam Santini de. Espaço e cotidiano no jornalismo: crítica da cobertura da imprensa sobre ocupações urbanas em Florianópolis. Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2019. Disponível em: http://tede.ufsc.br/teses/PJOR0134-T.pdf. Acesso em: 20 out. 2024. 

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev. Bras. Educ. [online]. 2002, n.19, pp.20-28. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1413-24782002000100003&lng=es&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 20 out. 2024. 

COLLATO, Camila. Jornalismo ambiental em Santa Catarina: direitos humanos e da natureza sob a perspectiva dos grupos RBS e NC. Dissertação. Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC, Florianópolis, 2023. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/254439. Acesso em: 27 out. 2024. 

GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo, Porto Alegre: Tchê, 1989. 

HEIDEGGER, Martin. La esencia del habla. In: De camino al habla. Barcelona: Ediciones del Serbal, 1987. 

LEFEBVRE, Henri. La producción del espacio. Espanha: Capitán Swing, 2013. 

LOTH, Moacir. A cobertura de meio ambiente no Jornal de Santa Catarina. In: ROSA, Edson et al. Território e texto: jornalismo ambiental em Santa Catarina. Florianópolis (SC): Pobres & Nojentas; Letra Editorial, 2023, p. 89-90. 

LUKÁCS, Georg. Estetica I: la peculiaridad de lo estético. Barcelona, México: Edições Grijalbo, 1966. 

MAMIGONIAN, A. Projeto integrado de pesquisa: Santa Catarina – sociedade e natureza. Relatório final de pesquisa. Florianópolis, 2003. 

OSÓRIO, Pedro Luiz da Silveira. O jornalismo como forma de conhecimento: o legado de Adelmo Genro Filho. Disponível em: https://faroljornalismo.cc/blog/2021/11/11/o-jornalismo-como-forma-de-conhecimento-o-legado-de-adelmo-genro-filho/ . Acesso em: 11 nov. 2024.

PERES, Lino Fernando Bragança. Percursos urbanos: caminhar para desvendar a cidade. Disponível em: http://professorlinoperes.com.br//pagina/1019/percursos-urbanos-caminhar-para-desvendar-a-. Acesso em: 20 out. 2024. 

SILVA, Anne Patricia Pimentel Nascimento da; SOUZA, Roberta Teixeira de e  VASCONCELLOS, Vera Maria Ramos de. O Estado da Arte ou o Estado do Conhecimento. Educação. Porto Alegre [online]. 2020, vol.43, n.3. Disponível em: http://educa.fcc.org.br/scielo.php?pid=S1981-25822020000300005&script=sci_abstract. Acesso em: 20 out. 2024. 

VIEIRA, V. P. Meio ambiente em pauta: uma análise sobre as práticas de jornalismo ambiental nos portais de notícia de Blumenau e região. Trabalho de Conclusão de Curso. Curso de Jornalismo, Universidade Regional de Blumenau, FURB, Blumenau, 2021. Disponível em: https://bu.furb.br/docs/MO/2021/368395_1_1.pdf . Acesso em: 31 jan. 2024.

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Jorginho Mello, Topázio Neto e o Coliseu das redes sociais

A semana que passou produziu uma daquelas imagens ao gosto destes tempos de colonialismo digital: o governador catarinense Jorginho Mello batendo o martelo no leilão para a concessão do Aeroporto de Jaguaruna pelos próximos 30 anos por parceria público-privada (PPP). O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, fez igual, usando martelo e campainha, quando leiloou trecho do Rodoanel e privatizou a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo. Há duas semanas, Jorginho usou o perfil no Instagram para dizer ao bilionário Elon Musk que ele era bem-vindo em Santa Catarina. Na postagem, o governador aparece a bordo de um veículo produzido por uma das empresas de Musk. Ao que parece, a imagem de Mello vai embarcar nas técnicas do marketing digital na política usadas na companha que levou o prefeito de Florianópolis, Topázio Neto, a se eleger em primeiro turno. Afinal, Mello tem 357 mil seguidores no Instagram, menos do que o seu candidato apoiado, Topázio Neto, que tem 413 mil. 

Jorginho Mello tem aparecido na mídia nacional por fatos como tentar nomear o filho Filipe Mello para o cargo de secretário de Estado da Casa Civil e, mais recentemente, por indícios de irregularidades na contratação de serviços de telemedicina pelo governo do Estado. No primeiro caso, a imprensa catarinense – sem surpresa – “passou pano” para o assunto; no segundo, tomou furo jornalístico do jornal O Globo e teve que correr atrás dos detalhes da denúncia. Do ponto de vista da classe trabalhadora, quando deputado federal Jorginho Mello votou a favor da PEC do Teto dos Gastos Públicos e foi favorável à Reforma Trabalhista, que tirou direitos históricos e abriu caminho legal para o atual cenário de oferta de vagas que, em Florianópolis, mal pagam um aluguel em localizações ruins.

Já Topázio Neto gosta de, nas entrevistas, citar que não provém do meio político. Empresário, seu legado apareceu na campanha eleitoral, quando veio a público que empresas às quais seu nome está ligado somam dívidas milionárias com trabalhadores, fornecedores e impostos. O prefeito até tentou, mas não conseguiu tirar do ar a denúncia, feita por um de seus oponentes. Na mídia local, tudo virou um diz-que-diz e o fato foi esquecido. No ND, por exemplo, nem aparece em resultados de busca no site.

Em entrevista à CNN, o político enfatizou que o segredo do seu sucesso nas redes sociais é utilizá-las como “um canal de comunicação bidirecional” com a população. “A velha política, os políticos tradicionais, não descobriram que a população quer falar com o prefeito, quer falar com o gestor. E a rede social tem essa capacidade de ser uma via de mão dupla”, explicou Topázio Neto.

O fato é que a rede social funciona como blindagem do prefeito. Há ali uma simulação de fala, de “mão dupla”, porque, na vida concreta, a tal “mão dupla” é barrada. Um exemplo foram as encenações de audiência pública de revisão do plano diretor – a lei mais importante de um município – entre 2022 e 2023. O prefeito ali apareceu pouco. Os secretários é que se limitavam a apresentar um rascunho da proposta da prefeitura e dar minutos contados para a população reclamar e tentar se fazer ouvir nas críticas à proposta. No final do processo, as críticas foram atropeladas e o plano virou lei.

MEA-CULPA

Alguns artigos acadêmicos analisam as redes sociais de Topázio Neto e elogiam a forma como ele aparece como um prefeito que resolve problemas. Um dos exemplos citados é uma postagem em que ele faz “mea-culpa” sobre um poste mal-instalado pela prefeitura, dando então solução ao mau arranjo na rua. O exemplo chega a ser risível, mas implica um cálculo certeiro para construir a imagem buscada pelos marqueteiros, especialmente junto aos jovens, mais familiarizados com redes como Instagram e TikTok e ainda sem repertório suficiente para interpretar vídeos assim à luz da realidade da cidade.

Uma questão importante é quanto custa a produção destas imagens. Como o prefeito tem contas diferentes das da Prefeitura de Florianópolis nas redes sociais, quem banca a equipe dele? É a mesma da comunicação da prefeitura? Quem paga os impulsionamentos? Indícios levam a crer que a geração de publicidade positiva para a prefeitura custa caro para os contribuintes. Um pequeno exemplo: em 6 de maio, a prefeitura bancou um encarte de 12 páginas no jornal ND sobre o projeto Formiguinha, iniciado em pleno ano eleitoral no Maciço do Morro da Cruz para melhorar o transporte coletivo. Ao longo das páginas, uma moradora entrevistada cita que o morro recebeu as primeiras linhas de ônibus 30 anos atrás. Mas não há uma única linha lembrando que isso ocorreu na gestão de Sérgio Grando e Afrânio Boppré. O encarte, sob medida para os interesses da gestão, custou 24 mil reais. 

É sabido que Florianópolis tem pouca ou quase nada de transparência, ficando em 13º no ranking entre as capitais do país segundo pesquisa divulgada em 2024. A prefeitura alega ter melhorado o Portal de Transparência, incluindo uma página de Dados Abertos, mas uma pesquisa lá exige tempo e disposição. Nisto a Assembleia Legislativa é mais avançada, permitindo o acesso facilitado às centenas de repasses para os veículos de comunicação do estado. Quem aparece com frequência na busca é a Neovox, para quem houve dezenas de repasses. O Total Pago informado é de R$ 1.000.202,33. A Neovox, neste final de ano, criou campanha de mídia para a Prefeitura de Florianópolis com o tema “Não seja bocó”. Como ela há outras e cabe, por parte dos vereadores do campo progressista, investigação mais detalhada e divulgação.

Com os grupos de mídia a seu favor e o recurso público do caixa da prefeitura, é fácil, para Topázio Neto, não responder a ataques políticos de seus adversários, “estratégia” elogiada nos estudos sobre ele. A prefeitura responde às denúncias por notas oficiais ou usa as redes sociais próprias, e quase nenhum repórter faz as perguntas necessárias diretamente a ele. As perguntas realmente incomodativas. As notícias e reportagens já são publicadas com a insípida explicação oficial, sem rugosidade, sem confronto. Assepsia discursiva. Na fieira de denúncias que marcam a sua gestão, a tônica é transferir a responsabilidade para o antecessor, Gean Loureiro, como aconteceu nesta terça-feira (03/11) em mais uma operação policial, a Operação Pecados Capitais. Topázio Neto pode se dar ao luxo até de zoar dos adversários e aumentar o engajamento sem se desgastar. 

As redes sociais são hoje um Coliseu onde os destroços da vida pública aparecem como motivos de distração e escárnio enquanto a cidade é cada vez mais preparada para atender aos interesses dos grupos dominantes. A subserviência da mídia local chega a tal ponto que, dias antes das eleições, o Grupo ND tirou do portal a primeira de uma série de reportagens que constatava o aumento no número de mortes de população em situação de rua em Florianópolis. O título era “Invisíveis? Mortes de pessoas em situação de rua em Florianópolis cresceu 300% em 2024”. Por que a reportagem foi banida? Detalhe: a Operação Pecados Capitais cita falcatruas envolvendo o Restaurante Popular, na Avenida Mauro Ramos, de onde a prefeitura quer banir a população em situação de rua.

Ainda no caso de Florianópolis, por exemplo, quem pauta os grandes debates geralmente é o empresariado ligado a organizações como o movimento Floripa Sustentável, hoje representado em diferentes âmbitos da administração pública. Recentemente, a organização levantou, pela mídia comercial, o debate sobre o que fazer da área onde hoje está a Penitenciária de Florianópolis. E para legitimar os discursos e ações sempre voltadas para seus próprios interesses, essas organizações utilizam a balela do “desenvolvimento sustentável”, “inclusão social” e blá-blá-blá. Para quem se opõe ou tenta visibilizar alternativas para a cidade, o espaço na mídia é barrado. 

PARA QUEM?

Há que voltar ao governador Jorginho Mello batendo o martelo no leilão para a concessão do Aeroporto de Jaguaruna. O governo do estado e a mídia dizem que aquela foi a primeira parceria público-privada (PPP) de Santa Catarina, mas, em outros moldes, há que lembrar de outra. Em 2013, no governo de Luiz Henrique da Silveira, a ArcelorMittal Vega, uma das mais modernas unidades de transformação de aço do mundo, instalou-se em São Francisco do Sul graças a uma extensa lista de benesses pagas com dinheiro público e enraizou-se na vida do município, patrocinando órgãos públicos e organizações sociais. Cito a empresa porque ela aparece na Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi), o listão divulgado em novembro pelo Ministério da Fazenda. É a nona da lista, beneficiada com R$ 801,9 milhões. A gente vê esses políticos festejando essas parcerias e privatizações como grande negócio... Para quem?

O mundo real, concreto, está atrás da imagem de governadores leiloando as grandes estruturas do estado na bolsa de valores B3, onde foram privatizadas empresas públicas como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Usiminas. O mundo concreto das estradas esburacadas, escolas sucateadas, hospitais com falta de equipes e equipamentos. Um mundo convenientemente tapado pela mágica do marketing e das redes sociais com seu poder de fazer o pequeno ficar grande e, pelos algoritmos cuidadosamente planejados, os polegares no Coliseu, transformar o grande em pequeno. 

A relação sociedade-natureza no ensino do jornalismo

Míriam Santini de Abreu - jornalista Apresentei resumo expandido de Comunicação Científica no Encontro Regional Sul e no Encontro Regional C...