quinta-feira, 20 de julho de 2023

Livros que nos transportam


Nos anos 1970 e 80 chamava-se “primeiro grau” a progressão de primeira a oitava séries. O primeiro grau eu fiz de 1976 a 1983 na Escola Estadual Clemente Pinto, em Caxias do Sul. O prédio fica na Euclides da Cunha com a Sarmento Leite, a uma quadra da casa de minha família. Entrei na primeira série com seis anos. Era baixa, magra, míope, muito míope. A maioria das minhas roupas eram doadas por vizinhos e parentes. Usava uniforme azul com listras brancas, Conga e, no inverno, um casaco com pelos em volta das mangas e do colarinho que eu detestava. Mas havia um lugar onde a minha estranheza em relação a tudo e a todos desaparecia. Era na biblioteca da escola.

Bastava subir a escada ao lado da sala do SOE, o Serviço de Orientação Educacional, e o mundo era meu. As mesas da biblioteca eram baixas e redondas, os banquinhos também. Os livros, catalogados, pareciam me espiar, me desejar, aquietados nas prateleiras ou abertos, repletos de delícias. Objetos de vasto desejo como a Grande Enciclopédia Larousse ou a Barsa, a coleção da Revista Geográfica Universal – que minha mãe também adorava – a “Vaga-Lume”, a “Jovens do Mundo Todo”, Monteiro Lobato, as aventuras de Laura Ingalls Wilder, e tanto mais.
Não havia dia nem hora para retirá-los. A biblioteca me acolhia, me aquietava. E lá fora, no pátio, havia concreto, mas também árvores, cantos misteriosos, reservados somente ao zelador, perto de onde a gente podia sentar e ler.
Quando a biblioteca da escola não dava conta da pesquisa, os grupos de alunos combinavam horário para se encontrar na Biblioteca Municipal de Caxias. Era uma solenidade. Livros escolhidos, o empenho era coletivo para preencher o papel almaço a caneta com a Introdução, o Desenvolvimento, a Conclusão e a Bibliografia. Sobre a mesa espalhávamos canetas, canetinhas, réguas, no esforço de lá sair já com o trabalho pronto. Ainda tenho alguns guardados.
Numa tarde de junho passado, de dias tristonhos, visitei o Clemente. A biblioteca trocou de lugar com a sala de professores e agora está ao lado da entrada da escola. Espiei as prateleiras para ver se achava volumes da coleção “Jovens do Mundo Todo” e da “Série Vaga-Lume”, que lá pelos 11, 12 anos eu devorava. E estavam lá!
Fui de um canto a outro, nas salas do primeiro andar, no pátio – hoje coberto – e no salão, onde me lembro de encenar a peça “A bruxinha que era boa”, de Maria Clara Machado. Está lá o palco com cortinas de cor branca e magenta.
Saí do Clemente com as vistas pinicando a memória. E ali na esquina da Euclides com a Sarmento ainda me enlaço com as lembranças do casarão onde era o Armazém Onzi, uma cornucópia de doçuras devoradas, quando dava, longe dos olhos da mãe!
Os anos passam e me enche de doçura ver o Clemente em pé, porque volta e meia me lembro daquela biblioteca e abraço longamente aquela menininha.

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