segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Experiência do vivido deve irromper na cobertura jornalística sobre o Plano Diretor

 

Imagem: foto de página do jornal ND

O assunto que desde o início de 2022 vem mobilizando Florianópolis é a revisão do Plano Diretor. No primeiro semestre, a cobertura jornalística não acompanhava a complexidade dos debates que dominavam as redes sociais e os aplicativos de mensagens dos grupos organizados em torno das diferentes concepções para o crescimento da capital catarinense. Isso mudou no final de junho, quando a Prefeitura iniciou a série de 13 Audiências Públicas exigidas em Termo de Ajustamento de Conduta junto ao Ministério Público de Santa Catarina. Entre junho e julho, o mais expressivo produto jornalístico a abordar o tema foi o “Relatório ND: Plano Diretor”, conjunto de cinco cadernos cujos conteúdos circularam no jornal impresso ND, no portal ND+ e no Balanço Geral da NDTV, todos do Grupo ND, afiliado local do Grupo Record, que domina o setor no estado com o Grupo NSC Comunicação, ex-RBS, retransmissor da Globo.

A análise a seguir se restringe ao conteúdo dos cinco relatórios que circularam no jornal impresso ND, em https://bit.ly/3PNmRfS. Cabe destacar que os movimentos populares de Florianópolis manifestam publicamente críticas à cobertura jornalística do Grupo ND, alinhado explicitamente aos interesses do governo de Jair Bolsonaro e reduto de colunistas tidos como porta-vozes dos interesses dos grupos dominantes locais. Por isso, foi recebida com desconfiança a iniciativa de produção de reportagens sobre o Plano Diretor.

Somados, os cinco cadernos (um para cada região da capital), encartados nas edições de 28 e 30 de junho e 9, 16, e 21 de julho, têm 88 páginas, número expressivo considerando o encolhimento sistemático dos jornais impressos. Segundo o grupo, 15 jornalistas se envolveram no projeto, com investimento de R$ 320 mil feitos pelo Núcleo de Dados e Investigação. No portal ND+, as reportagens contam com formato imersivo e animações e, no Balanço Geral da NDTV, foi usada a tecnologia de Realidade Aumentada para explicar aspectos da proposta. A contagem de fontes, nos cinco cadernos, chegou a 57 (algumas delas aparecem em diferentes cadernos), e os jornalistas recorreram a pelo menos 10 documentos. Além das fontes citadas nas reportagens, há duas enquetes com representantes de 15 entidades.

A infografia é um dos destaques dos relatórios, assim como as ilustrações, fotografias e os glossários de temas e siglas que aparecem na lei do Plano Diretor. Detalha-se como funciona o Conselho da Cidade, porém sem entrar na polêmica local sobre a forma de escolha de seus membros, e são expostas, em três relatórios, as opiniões dos e das vereadoras sobre a proposta do Executivo, registrando o nome dos seis que não deram respostas aos questionamentos. As páginas centrais trazem um breve perfil dos bairros de cada uma das cinco regiões, assim como as principais reivindicações da população, com o título geral “O que está em debate?”. Outro destaque é a reportagem do jornalista Paulo Clóvis Schmitz que conta a história dos planos diretores de Florianópolis a partir de análise do historiador Reinaldo Lohn. Entre as fontes, dá-se espaço para pesquisadores e lideranças comunitárias críticas à proposta da Prefeitura.

A ausência mais surpreendente é justamente a do prefeito, Topázio Silveira Neto, agora no lugar de Gean Loureiro, que renunciou ao cargo para concorrer na eleição de outubro. A voz da Prefeitura em praticamente todos os cinco cadernos é a do secretário municipal de Mobilidade e Planejamento Urbano, Michel Mittmann. Um box no segundo relatório explica que a reportagem buscou fontes na Prefeitura e os contatos foram direcionados e centralizados no secretário, que tem sido criticado nas Audiências Públicas pelo discurso genérico, a falta de estudos fundamentais na proposta e as comparações que faz entre Florianópolis e cidades como Barcelona, na Espanha, para justificar medidas mal explicadas.

Apesar de ouvir representantes de diversas entidades e associações de moradores e apresentar posições em confronto, o conjunto de relatórios deixa a desejar no que tenho definido como a necessária irrupção, na cobertura jornalística, da experiência vivida no espaço geográfico. O segundo caderno, sobre a região Norte de Florianópolis, onde estão balneários disputados como Ingleses e Canasvieiras, traz uma discussão importante sobre a falta de política de habitação social na capital, com avaliação de pesquisadores na área. Mas seria fundamental que os jornalistas trouxessem à reportagem a vivência das populações nas ocupações urbanas, que ocorrem, entre outros motivos, pelo crescente aumento do valor do aluguel em Florianópolis. Na discussão sobre a mobilidade urbana, que aparece no quarto caderno, um diferencial seria a equipe de reportagem usar o criticado transporte coletivo local para fazer o percurso de cerca de 50 quilômetros entre o município vizinho de Palhoça até o Norte da Ilha, realidade de muitos trabalhadores que custa horas valiosas do cotidiano.

O diferencial de cobertura caberia também à imprensa independente/alternativa local, que padece da falta de profissionais e de recursos e não tem acompanhado os debates. De todo o modo, cabe registrar, em um grupo hegemônico tão criticado quanto o ND e faltando uma semana para a Audiência Pública Final, dia 8 de agosto, uma fumaça do bom jornalismo. 


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