Imagem: foto de página do
jornal ND
O assunto que desde o início de 2022
vem mobilizando Florianópolis é a revisão do Plano Diretor. No primeiro
semestre, a cobertura jornalística não acompanhava a complexidade dos debates
que dominavam as redes sociais e os aplicativos de mensagens dos grupos
organizados em torno das diferentes concepções para o crescimento da capital
catarinense. Isso mudou no final de junho, quando a Prefeitura iniciou a série
de 13 Audiências Públicas exigidas em Termo de Ajustamento de Conduta junto ao
Ministério Público de Santa Catarina. Entre junho e julho, o mais expressivo
produto jornalístico a abordar o tema foi o “Relatório ND: Plano Diretor”,
conjunto de cinco cadernos cujos conteúdos circularam no jornal impresso ND, no
portal ND+ e no Balanço Geral da NDTV, todos do Grupo ND, afiliado local do
Grupo Record, que domina o setor no estado com o Grupo NSC Comunicação, ex-RBS,
retransmissor da Globo.
A análise a seguir se restringe ao
conteúdo dos cinco relatórios que circularam no jornal impresso ND, em https://bit.ly/3PNmRfS. Cabe destacar que os movimentos populares de
Florianópolis manifestam publicamente críticas à cobertura jornalística do
Grupo ND, alinhado explicitamente aos interesses do governo de Jair Bolsonaro e
reduto de colunistas tidos como porta-vozes dos interesses dos grupos
dominantes locais. Por isso, foi recebida com desconfiança a iniciativa de produção
de reportagens sobre o Plano Diretor.
Somados, os cinco cadernos (um para
cada região da capital), encartados nas edições de 28 e 30 de junho e 9, 16, e
21 de julho, têm 88 páginas, número expressivo considerando o encolhimento
sistemático dos jornais impressos. Segundo o grupo, 15 jornalistas se
envolveram no projeto, com investimento de R$ 320 mil feitos pelo Núcleo de
Dados e Investigação. No portal ND+, as reportagens contam com formato imersivo
e animações e, no Balanço Geral da NDTV, foi usada a tecnologia de Realidade Aumentada
para explicar aspectos da proposta. A contagem de fontes, nos cinco cadernos,
chegou a 57 (algumas delas aparecem em diferentes cadernos), e os jornalistas
recorreram a pelo menos 10 documentos. Além das fontes citadas nas reportagens,
há duas enquetes com representantes de 15 entidades.
A infografia é um dos destaques dos
relatórios, assim como as ilustrações, fotografias e os glossários de temas e
siglas que aparecem na lei do Plano Diretor. Detalha-se como funciona o
Conselho da Cidade, porém sem entrar na polêmica local sobre a forma de escolha
de seus membros, e são expostas, em três relatórios, as opiniões dos e das
vereadoras sobre a proposta do Executivo, registrando o nome dos seis que não
deram respostas aos questionamentos. As páginas centrais trazem um breve perfil
dos bairros de cada uma das cinco regiões, assim como as principais
reivindicações da população, com o título geral “O que está em debate?”. Outro
destaque é a reportagem do jornalista Paulo Clóvis Schmitz que conta a história
dos planos diretores de Florianópolis a partir de análise do historiador
Reinaldo Lohn. Entre as fontes, dá-se espaço para pesquisadores e lideranças
comunitárias críticas à proposta da Prefeitura.
A ausência mais surpreendente é
justamente a do prefeito, Topázio Silveira Neto, agora no lugar de Gean
Loureiro, que renunciou ao cargo para concorrer na eleição de outubro. A voz da
Prefeitura em praticamente todos os cinco cadernos é a do secretário municipal
de Mobilidade e Planejamento Urbano, Michel Mittmann. Um box no segundo
relatório explica que a reportagem buscou fontes na Prefeitura e os contatos
foram direcionados e centralizados no secretário, que tem sido criticado nas
Audiências Públicas pelo discurso genérico, a falta de estudos fundamentais na
proposta e as comparações que faz entre Florianópolis e cidades como Barcelona,
na Espanha, para justificar medidas mal explicadas.
Apesar de ouvir representantes de diversas
entidades e associações de moradores e apresentar posições em confronto, o
conjunto de relatórios deixa a desejar no que tenho definido como a necessária
irrupção, na cobertura jornalística, da experiência vivida no espaço
geográfico. O segundo caderno, sobre a região Norte de Florianópolis, onde
estão balneários disputados como Ingleses e Canasvieiras, traz uma discussão
importante sobre a falta de política de habitação social na capital, com
avaliação de pesquisadores na área. Mas seria fundamental que os jornalistas
trouxessem à reportagem a vivência das populações nas ocupações urbanas, que ocorrem,
entre outros motivos, pelo crescente aumento do valor do aluguel em
Florianópolis. Na discussão sobre a mobilidade urbana, que aparece no quarto
caderno, um diferencial seria a equipe de reportagem usar o criticado
transporte coletivo local para fazer o percurso de cerca de 50 quilômetros entre
o município vizinho de Palhoça até o Norte da Ilha, realidade de muitos trabalhadores
que custa horas valiosas do cotidiano.
O diferencial de cobertura caberia
também à imprensa independente/alternativa local, que padece da falta de
profissionais e de recursos e não tem acompanhado os debates. De todo o modo,
cabe registrar, em um grupo hegemônico tão criticado quanto o ND e faltando uma
semana para a Audiência Pública Final, dia 8 de agosto, uma fumaça do bom
jornalismo.
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