segunda-feira, 28 de abril de 2025

Florianópolis, capital de jornalismo desterrado


Li com atenção o relatório do TransformaJor/UFSC sobre a pesquisa com 604 respondentes investigando a relação com o jornalismo local, apresentada semana passada na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Destaco um achado: na pergunta sobre os 20 perfis de mídias sociais aos quais as pessoas mais dizem recorrer para se informar sobre Florianópolis, o perfil do Instagram “Floripa Mil Grau”, um canal de humor, foi mencionado 152 vezes, o equivalente a 33% do total de respostas. Topo da lista. Outras 66 pessoas (14,3%) disseram recorrer a perfis de mídias sociais para obter informações sobre a cidade, mas não se lembram do nome/endereço do perfil. Em terceiro e quarto lugar, estão o perfil da Prefeitura de Florianópolis e o do prefeito Topázio Neto. 

É aterrador. Um retrato da miséria do jornalismo catarinense. 

Li que a pesquisa vai continuar e faço algumas considerações. Quem, como eu, pesquisa o jornalismo contra-hegemônico, sabe que a questão não é fundamentalmente saber de que forma e por quais temas as pessoas se interessam, e sim levar a elas temas de interesse para a compreensão da realidade a serviço da emancipação humana. 

Nessa direção, trago reflexões das jornalistas Elaine Tavares e Cátia Guimarães. Tavares, em um de seus livros, “Jornalismo nas margens: uma reflexão sobre a comunicação em comunidades empobrecidas”, trabalha com a ideia de que é preciso contar as histórias dos oprimidos, dos deserdados, dos desvalidos, que é preciso narrar o mundo do ponto de vista da realidade do outro, do que está fora do centro. Na mídia hegemônica, se dá o oposto: o ponto de vista predominante é o do poder, dos grupos dominantes. 

Para o enfrentamento da hegemonia no campo da comunicação que se pretende contra-hegemônica e libertadora, é preciso, diz Guimarães em sua tese, um deslocamento necessário: 1) do esclarecimento para a construção da consciência, e 2) da mudança do sujeito para quem essa prática deve se voltar, movendo-se do indivíduo para a classe. Ainda segundo Guimarães, para pensar as ferramentas de construção da consciência e da hegemonia da classe trabalhadora, é preciso assumir o trabalho jornalístico como parte de um empenho de direção política e cultural e reconhecer que a classe trabalhadora não pode se construir como público, artificial e discursivamente, e sim como organização social concreta, da qual o jornal é instrumento, nunca um fim em si mesmo.

Em Florianópolis, o movimento sindical, popular e os partidos do campo progressista simplesmente não se movimentam para construir este caminho. Das outras grandes cidades do estado, nem falo. Enquanto isso, aqui na ilha/capital de jornalismo de verdade desterrado, Floripa Mil Grau e Topázio Neto é que vão se passando por jornalismo. É de caírem os butiás do bolso. Pelo menos para mim.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

História Ambiental e Jornalismo




Aproveitei o feriadão para ler seis artigos sobre História Ambiental, surgida na década de 70 para tratar do papel e do lugar da natureza na vida humana, definição de Donald Worster no clássico “Para fazer História Ambiental”. Discussão rica para jornalistas interessados na área e que tem, na UFSC, o LABIMHA e, na FURB, o GPHAVI, ambos grupos de pesquisa.

É impressionante o esvaziamento da compreensão da natureza e do espaço no jornalismo catarinense. As empresas não investem em pautas e equipes e grandes jornalistas que entendiam do traçado se aposentaram ou se dedicam a outras áreas nos tortuosos caminhos da nossa profissão.

Não sei que formação sobre SC os estudantes levam do ensino médio para o curso de Jornalismo, e assim seria de grande valia alguma disciplina tratar da relação entre sociedade e natureza, a relação entre elas no jornalismo e o enlace disso tudo com a formação socioespacial catarinense.

Ando à busca de um bom livro sobre História Ambiental com artigos que tenham como estudo especificamente SC. Até agora localizei artigos, mas poucos tendo o litoral como área de interesse. Um livro nesta linha é “Desastres Socioambientais em Santa Catarina”, disponível em https://labimha.ufsc.br/). A produção do GPHAVI está em https://gphavi.blogspot.com/

É interessante o fato de a História Ambiental trabalhar com material jornalístico, e fico pensando no quão pouco irão encontrar, no futuro, nas pesquisas que farão sobre o tempo presente. Dois motivos: 1) pautas, notícias e reportagens estão cada vez mais desidratadas e irrelevantes; 2) não irão localizar conteúdos, dado que as empresas desprezam o cuidado com os acervos virtuais. Vai sendo tudo apagado com o passar do tempo, situação piorada diante do fim dos impressos. Mas cito o caso do ND, que ao menos disponibiliza, no seu portal, os jornais em PDF desde 2012.

Fica a sugestão para o LABIMHA e o GPHAVI oferecerem curso de História Ambiental voltado a jornalistas e organizar um livro com artigos que contemplem, com diferentes objetos de estudo, todas as regiões de SC.

Sobre jornalismo ambiental, reunimos a produção de SC em blog (https://jornalismoambientalsc.blogspot.com/).

 

terça-feira, 22 de abril de 2025

Arborização, descarbonização e Conferência da Cidade de Florianópolis: quem dita as regras


Dois fatos sobre os quais a imprensa local não fez conexão: 1) segundo a pesquisa “Características Urbanísticas do Entorno dos Domicílios”, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com dados do Censo 2022, Florianópolis aparece no finzinho da lista de cidades mais arborizadas; 2) a prefeitura de Florianópolis apresentou um tal de “Plano de Descarbonização” e um programa "E-Floripa" para “redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e para tornar a capital neutra em carbono até 2050”. Eu soube do plano graças à Newsletter FloripAmanhã n° 284, de 17 de abril, cujo título é “Veja como a FloripAmanhã está ajudando a redesenhar Florianópolis”. Verdade! A FloripAmanhã é uma associação que reúne o mais pesado empresariado local e vive num siricutico para tornar cada canto da cidade uma mercadoria comprável e vendával. 

O tal plano detalha três iniciativas prioritárias: 1) Requalificação urbana do Centro Histórico, “que busca promover a mobilidade ativa e o uso eficiente de energia, valorizando o espaço público e o patrimônio urbano com soluções sustentáveis”; 2)  Habitação sustentável no Morro do Horácio, “que integra inovação urbanística com inclusão social, oferecendo melhores condições habitacionais com menor impacto ambiental”; 3) Criação de um corredor de ônibus elétricos na Beira-Mar Norte, “iniciativa voltada à descarbonização do transporte coletivo e à melhoria da mobilidade urbana”. O lance todo tem apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Procurei mais detalhes no site da prefeitura e encontrei um documento de 167 páginas produzindo pela Egis Engenharia e Consultoria. Há nele miragens e generalidades. Está aqui: https://strapi.redeplanejamento.pmf.sc.gov.br/uploads/P3_Estrategia_de_Descarbonizacao_V02_20241018_a19a622991.pdf

Mas destaco um trecho do documento: “A sugestão para o município seria a implantação de uma estratégia intensa de arborização urbana, bem como do estímulo à criação de parques e hortas urbanas, com o objetivo de remover carbono da atmosfera, mas também de gerar outros vários cobenefícios. A remoção de carbono destas ações, como já mencionado, é de difícil estimativa, mas com a definição também de uma estratégia de monitoramento, é possível de se realizar”.   

Não localizei análises sérias sobre o tal “Plano de Descarbonização”. No que depender da prefeitura de Florianópolis ou da imprensa local para dar a publicidade necessária às críticas, cito apenas um exemplo. Na próxima quinta e sexta-feira, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina,  será realizada a 6ª Conferência da Cidade de Florianópolis, com o tema "Construindo a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano: Caminhos para cidades inclusivas, democráticas, sustentáveis e com justiça social". Quem acompanha o cotidiano da política em Florianópolis já esboça um esgar com semelhante tema porque a cidade, uma das mais caras do país para morar e se alimentar, vai na contramão do palavrório fácil.

Pois bem. Cito três fatos: 1) os  horários da conferência (dia 24/04: 15:00 às 22:00  dia 25/04: 10:00 às 22:00) impedem a participação de quem trabalha. Justificativa da prefeitura? Não ter recursos para pagar os servidores no final de semana; 2) o site da prefeitura às 15h30 desta terça não tem notícia sobre a conferência, que deveria ser a pauta mais importante do período; 3) o interesse da imprensa local no assunto é mínimo. Localizei uma nota no Portal ND+ veiculada pela própria prefeitura dia 16 ao custo de 2 mil reais (https://ndmais.com.br/cidadania/florianopolis-abre-debate-publico-sobre-politicas-urbanas-na-6a-conferencia-da-cidade/). O que esperar da conferência? 

Para ligar arborização, descarbonização e evento no qual tudo isto deveria ser debatido – seria o papel da conferência, não? – , volto ao fato de Florianópolis estar, segundo o IBGE, entre as cidades menos arborizadas do país. Sobre ele encontrei uma notícia no Portal NSC Total, mas, em 13 parágrafos, o portal não traz uma só entrevista. Aparece citado apenas o próprio IBGE. 

É importante assinalar que, desde o ano passado, o Fórum da Cidade de Florianópolis – instância que reúne várias entidades do movimento popular – vem cobrando, da bancada progressista na Câmara, uma Audiência Pública sobre a arborização na cidade. 

Bueno. Enquanto isso se desenrola ou não se desenrola, vamos testemunhando “como a FloripAmanhã está ajudando a redesenhar Florianópolis”. Todo dia. 

Memórias do primeiro jornal

Meus 20 anos na redação da FH Eu era auxiliar de escritório em uma rede de supermercados de Caxias do Sul em meados de 1990. Entrava na segu...