Flagro a cena e ela é boa para homenagear as três máquinas que me ajudaram a pagar a faculdade de Jornalismo: a de costura, a de overlock e a mãe. Na época, não havia Jornalismo na Universidade de Caxias do Sul, e assim iniciei o curso em 1990 na Unisinos, em São Leopoldo. Trabalhava como estagiária e depois contratada na extinta Folha de Hoje e, às 17h45, eu tinha que correr até a frente da Catedral, de onde saía diariamente o ônibus que levava os estudantes da Unisinos para as aulas. Voltávamos a Caxias perto da meia-noite e meia e eu, sozinha ou com o amigo Samuel, corria as quatro quadras até minha casa. No inverno era pior, e pior ainda quando havia neblina.
Passados dois anos e meio, aquela rotina começou a me cansar e decidi morar em São Leopoldo. O pai não queria e, em meio às discussões, a mãe foi enfática:
– João Flávio, deixa. Não adianta.
Depois de ficar uns dias hospedada na casa de uma prima em Novo Hamburgo, achei trabalho e lugar para morar.
Nos dois anos e meio seguintes, fui garçonete, repórter em jornal e estagiária na Petrobras e na Prefeitura de Porto Alegre. Consegui uma bolsa parcial de uma entidade privada e uma bolsa na Unisinos para digitar a tese de doutorado de um professor que havia usado máquina de escrever. Mas o dinheiro não dava.
Toda semana, a mãe enviava um farnel pelo ônibus: pão feito em casa, feijão, polenta, legumes, frutas, dinheiro e uma cartinha com novidades. Eu morava perto da avenida que levava até a Unisinos e corria até lá para buscar o farnel precioso. Os motoristas e os colegas já sabiam o ponto onde parar e fazer a entrega.
O pai, naquele tempo, trabalhava em escritório e a mãe costurava. As camisas dela era impecáveis. E sei que volta e meia ela pedia empréstimo ao querido tio José, que era gerente da Eberle, para poder me ajudar.
Aposentada, ela tem nas máquinas um acréscimo na renda, e hoje faz reformas e costura por prazer enxovais de bebês que minha prima Tânia entrega para os projetos sociais dos Capuchinhos. E ainda borda, faz crochê, escreve e pinta. Quando vou para Caxias, ela avisa:
– Traz tuas reforminhas!
Ela diz que gosta de estar como a Terra, em movimento.
É, dona Eluci, eu pedalo, mas não te alcanço!
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