terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Floripa Sustentável: discurso velho embalado como novo para bem vender a cidade

Ato na frente da Câmara em janeiro de 2014, quando da votação final do atual plano diretor


SEMANÁRIO: O PLANO DIRETOR NA MÍDIA – 3

Contém um mundo a afirmação feita nesta terça-feira (4/1), ao portal ND, pela coordenadora da ONG empresarial Floripa Sustentável, Zena Becker. Ela elogia a prefeitura e a Câmara de Vereadores pelo “empenho” em alterar o plano diretor de Florianópolis e afirma: 

“A integração com a sociedade é que irá contribuir para o desenvolvimento sustentável. Mas será necessário separar ideologias de participação”. 

Becker disse apoiar a importância da participação popular na discussão do plano, mas alertou para possíveis “posicionamentos ideológicos”. Esses “posicionamentos ideológicos”, óbvio, são o de pessoas, grupos e movimentos críticos à minuta de plano diretor proposta pela prefeitura e à forma como o processo vem sendo conduzido, em plena temporada de verão e com os casos de Covid-19 lotando a rede de saúde do município. 

Ora! Mauro Iasi, no livro "Ensaios sobre consciência e emancipação", vai a Marx para mostrar que o conceito de ideologia é inseparável das características de inverter, naturalizar, ocultar e apresentar o particular como se fosse universal. Por este vínculo com as relações reais que expressa idealmente, a ideologia, acrescenta Iasi, opera como poderoso meio de legitimação e justificativa das atuais relações existentes, tendo a função, portanto, de instrumento de dominação de classe. 

Então, ideológico, na verdade, é o que expressa o grupo dominante representado em Florianópolis pela ONG empresarial Floripa Sustentável. 

Zena Becker cita o “desenvolvimento sustentável”. Ora! O desenvolvimento sustentável é uma farsa. Mas cabe bem para apagar qualquer debate. É um mantra do capitalismo. Minha dissertação em Geografia desvenda como opera esse mecanismo e está em https://tede.ufsc.br/teses/PGCN0230-D.pdf 

Não é de hoje que o Floripa Sustentável se apropria desse conceito e de outro, “inclusão social”. Isso mostra o quanto é urgente revirarmos a linguagem para nos afastarmos desses discursos viciados. 

No dia 15 de abril de 2019, o movimento apresentou um manifesto, intitulado “Manifesto em favor de Florianópolis”, para “levantar a discussão em torno da inclusão social como eixo de desenvolvimento da cidade”, tendo como lema “Prosperidade com Inclusão Social”. O manifesto afirma que o movimento tem quatro pilares: o desenvolvimento econômico, a inclusão social, a preservação ambiental e o planejamento urbano. Veja em https://floripamanha.org/2019/04/movimento-floripa-sustentavel-vai-focar-na-inclusao-social-para-desenvolvimento-sustentavel/ 

Cabe destacar quais seriam as ações consideradas urgentes sugeridas pelo movimento Floripa Sustentável para a cidade:

-Alterar o plano diretor para elevar o gabarito atual de 4 andares vigente na Ilha, com exceção do Centro, para 10 ou mais andares, de acordo com as características de cada região

-Construção de 4 mil residências por ano, não excluindo aquela parcela da população que se afavela nos morros, nas restingas, nos mangues e nas dunas, num processo que à jusante, aparece a criminalidade, o tráfico de drogas e a insegurança em toda a cidade

-Criação de centralidade (bairros que podem viver quase por conta própria para aliviar o trânsito entre as regiões e o Centro).

-Disciplinar a entrada de imigrantes sem condições.

-Multiplicar as iniciativas visando motivar crianças e adolescentes moradoras em áreas precárias para o esporte, as música, o artesanato, etc.

-Multiplicar as ações sociais nas favelas.

A lista revela um elemento fundamental: as ações sociais nas favelas não são explicitadas, nem esclarecida a fonte de recursos para a construção de 4 mil residências por ano, em um cenário no qual há forte restrição de recursos em nível federal e no qual a administração Gean Loureiro extinguiu a secretaria de Habitação e praticamente não construiu moradias populares, com pífios recursos no orçamento municipal para unidades habitacionais.  

As demais propostas coincidem com pontos da minuta proposta pela prefeitura para mudar o plano diretor, revelando o quanto, por trás da minuta, estão carimbados os interesses dos grupos representados pelo Floripa Sustentável. 

Zena Becker diz que “75% dos pequenos negócios não possuem alvará de funcionamento porque o Plano Diretor da região não permite”. Ora, a responsável por isso é a administração Gean Loureiro, que, em 2017, foi ao Superior Tribunal de Justiça defender esse plano – e conseguiu, atropelando a Justiça Federal, o TRF4 e o processo em curso para buscar recosturar a colcha de retalhos que é a Lei Complementar 482, do atual plano diretor, aprovada naquele final de 2013 e início de 2014 pela administração Cesar Souza Júnior com a maioria da Câmara de Vereadores. 

É esse contexto que o discurso de Zena Becker oculta, culpabilizando as pessoas e movimentos que criticam a minuta e o processo de discussão e invertendo a responsabilidade pela colcha de retalhos que é o atual plano diretor. O Floripa Sustentável também vende como universal, de toda a cidade, o seu interesse particular, que é ampliar a possibilidade de uso do espaço para ter mais negócios e lucros. Isso tudo bem embalada pela ladainha do “desenvolvimento sustentável” e da “inclusão social”. 

Olho! 



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Memórias do primeiro jornal

Meus 20 anos na redação da FH Eu era auxiliar de escritório em uma rede de supermercados de Caxias do Sul em meados de 1990. Entrava na segu...